A jovem Clarissa Maria de Mendonça, de 24 anos, que sobreviveu a um ataque a facadas do colega de trabalho Aaron Delesse Dantas, também de 24 anos, relatou que foi vítima de perseguição. Em setembro deste ano, o rapaz invadiu a residência dela e atacou a jovem e outros dois amigos, que morreram no local.
Clarissa e Aaron se conheceram em 2022, quando ambos trabalhavam em um mesmo bar, em Londrina, no Paraná. Os dois ficaram amigos, até que o rapaz se disse apaixonado por ela e se declarou.
Em entrevista ao Fantástico, exibida nesse domingo (10/12), Clarissa falou sobre o medo que sentiu das abordagens invasivas do colega e que chegou a cogitar a solicitação de uma medida protetiva, no entanto, se sentiu desincentivada.
“Eu disse que eu não conseguiria, não era recíproco, não sentia a mesma coisa. De início parecia que era algo que ia ser bem lidado. Até que parou de ser bem lidado assim, né? Começou a ser invasivo comigo. De falar: ‘estou na porta da sua casa, não vou sair até que a gente converse’”, contou Clarisse.
“Ele falava de mim de uma forma assustadora mesmo. ‘Você tem que ser minha’, e isso era assustador. E eu falava isso para ele inclusive: ‘Você está me assustando, já ultrapassou todos os limites’. Cheguei a pensar em uma medida protetiva. Acabei sendo um pouco desincentivada, por assim: ‘Ah, não vai dar em nada, não vai acontecer nada, o que isso vai impedir o cara também’. Eu não entrei com a medida. E pouco tempo depois isso aconteceu”, relatou a jovem.
Ainda de acordo com ela, o jovem chegou a ser bloqueado nas redes sociais, no entanto, criava perfis falsos para se aproximar.
Amigos mortos
O caso aconteceu no último dia 3 de setembro. Imagens de câmeras de segurança mostram Clarissa chegando em casa com duas amigas, às 23h do dia 2 de setembro.
Uma delas é a estudante Júlia Garbossi, de 23 anos, que também mora na casa. Era uma noite de confraternização, com outros convidados. Pouco antes de 1h, chega mais um amigo, Daniel Suzuki, de 22 anos.
A festa termina e ficam na casa: Júlia num quarto, Clarissa e Daniel em outro – eles estavam iniciando um relacionamento. Durante a madrugada, Aaron invadiu a casa pulando o muro do vizinho.
O assassino atacou Clarissa e os dois amigos com uma faca. “Eu entrei num estado de choque, só conseguia repetir :’você matou meus amigos, você matou meus amigos’”, relembrou a jovem que viu os amigos mortos.
De acordo com Clarissa, depois dos ataques, Aaron disse que queria conversar com ela.
“Eu percebi que ele não iria me matar até que ele falasse tudo que ele tinha para me falar. Então eu falei: ‘você não vai conseguir falar tudo que tem para falar. Eu estou perdendo muito sangue, então eu preciso primeiro lidar com isso para a que a gente consiga ter essa conversa que você quer porque senão eu vou morrer antes de você me dizer tudo que você quer me dizer. E foi aí que eu convenci ele a me levar para a UPA.”
Prisão
Após o pedido de Clarissa, Aaron chamou um carro de aplicativo para levar a jovem até uma Unidade de Pronto Atendimento. Os dois combinaram de dizer ao motorista que tinham sofrido um assalto. Ao chegar na unidade, ela sustentou a mentira até conseguir entrar na sala de atendimento.
Ao ficar de frente aos médicos, a jovem conta que teve que convencer os profissionais de que quem a aguardava na sala de espera não era um acompanhante.
“Entrei, esperei fecharem a porta, onde foram fazer minha sutura e aí falei cadê meu acompanhante? ‘Não deixa ele vir para cá. Foi ele que fez isso comigo’. Até os médicos entenderem e acreditarem nisso levou um certo tempo. As enfermeiras foram atenciosas comigo. Uma delas chamou a polícia”, conta a vítima.
Aaron foi preso dentro da UPA com uma faca, um canivete e o celular da vítima. A Polícia Civil indiciou o jovem pelo duplo homicídio qualificado de Júlia e Daniel e tentativa de feminicídio contra Clarissa.
Para o delegado, o crime foi praticado porque ela se recusou a aceitar ter um relacionamento amoroso com ele, demonstrando discriminação contra a vítima por razões de gênero.
Denunciado
O Ministério Público denunciou Aaron, mas enquadrou o crime como tentativa de homicídio qualificado, e não feminicídio. E argumentou que não houve menosprezo ou discriminação à condição de mulher, pelo contrário: o acusado tinha interesse amoroso pela vítima e tentou matá-la porque não foi correspondido.
O MP acrescentou mais um crime à denúncia: o de “stalking”, termo em inglês para perseguição.
“Quando você tem um estado processando e julgando uma pessoa que comete esse crime de stalker você demonstra também para a sociedade a gravidade que uma simples insistência, porque a gente tem muito isso, ‘Ah, ele estava só insistindo, ele só queria muito’, essa simples insistência pode levar a consequências trágicas e catastróficas que foi o caso que aconteceu aqui”, afirmou Paula Rodrigues, advogada de Clarissa.
Aaron está preso no Complexo Médico Penal, em Curitiba. Caso seja condenado, ele pode pegar 29 anos de prisão. Em nota, a defesa disse que aguarda a realização de incidente de insanidade mental de Aaron.
Clarissa passou por cirurgia, ainda não recuperou totalmente o movimento das mãos por causa das facadas. Mudou de cidade e ainda não voltou a trabalhar.
“Eu espero do fundo do meu coração que a justiça seja feita por mim, pelos meus amigos, que receba o máximo de pena possível. E eu espero nunca reaver esse homem solto”, completou ela.