O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, disse que a única possibilidade de punir veículos de comunicação por falas de entrevistados é quando houver “má-fé”.
“A única coisa que se pune em termos de liberdade de expressão e de imprensa é a veiculação de má-fé, por intencionalidade de prejudicar ou por absurda negligência em apurar a verdade”, declarou nesta quarta-feira (29).
A única restrição que há à liberdade de expressão é a atuação deliberadamente mal-intencionada e dolosa de veicular uma mentira ou de fazer mal a alguém
Luís Roberto Barroso
A declaração foi feita a jornalistas depois da sessão do Supremo. A Corte aprovou, mais cedo, uma tese com as regras para que veículos de comunicação sejam responsabilizados civilmente por declarações feitas por entrevistados em reportagens jornalísticas.
Ficou definido que a empresa jornalística poderá ser responsabilizada quando houver publicação de entrevista em que o entrevistado acusar falsamente outra pessoa sobre a prática de um crime se:
à época da divulgação da entrevista, havia “indícios concretos” da falsidade da imputação;
o veículo deixou de observar o “dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”.
A responsabilização envolve eventuais indenizações por danos morais. O caso tem repercussão geral. Então essa tese deverá ser seguida por todas as instâncias da Justiça em processos do tipo.
Leia Mais
Líder do PL diz que pode receber Dino, mas ainda não foi procurado
“Foi para isso que fizemos o L”, diz ministro após Senado aprovar taxação de super-ricos
Ministro da Defesa diz à CNN esperar aprovação de PEC dos militares no Senado ainda em 2023
Conforme Barroso, os ministros definiram que a “regra geral” é que o veículo não é responsável pela declaração que for dada por um entrevistado, “a menos que tenha havido uma grosseira negligência” sobre a apuração de um “fato que fosse de conhecimento público”.
“Se uma pessoa foi absolvida, faz parte do dever de cuidado do jornalista dizer que a pessoa foi absolvida”, afirmou o ministro. “Não há nenhuma restrição à liberdade de expressão, não há censura prévia”.
Barroso também defendeu a possibilidade de remoção de conteúdo publicado por veículo de imprensa nesses casos.
“Hoje em dia, a notícia pode ficar prolongadamente no ar. Como a notícia não é mais a notícia do jornal impressa, que embrulha peixe no dia seguinte, mas sim uma notícia que pode ficar perenemente no ar, acho que se for objetivamente falsa a imputação, a pessoa deve ter o direito de remover o conteúdo. Não se reprime nenhum tipo de opinião, mas ninguém pode imputar um fato inveraz a alguém impunemente”.
A tese aprovada foi a seguinte:
“A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas”.
“Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (1) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (2) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”.
O que dizem as organizações jornalísticas
A presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Samira de Castro, disse que a tese aprovada tem um grau e responsabilização “minimamente condizente” com as preocupações da entidade de resguardo da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão.
Ela afirmou que a proposta é uma “composição de princípios que talvez não traga tantos prejuízos para a atividade jornalística”. “Esse dever de cuidado que os ministros citam na tese é na verdade o fato de você ouvir o outro lado. É você dar espaço para o contraditório, na medida em que o seu entrevistado impute o que posteriormente for chamado de falso crime”, afirmou.
Castro chama atenção para os casos de entrevistas ao vivo, em que muitas vezes não é possível abrir espaço imediatamente para o exercício do contraditório. “A gente tem que ter uma atenção redobrada com as entrevistas ao vivo. Porque nem sempre, durante o ao vivo, vai ser possível você imediatamente fazer esse contraditório. Mas acho que o caminho fica aberto e das teses é uma composição de princípios que talvez não traga tantos prejuízos para a atividade jornalística”.
A presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Katia Brembatti, afirmou que “houve uma forte atuação das organizações de defesa do jornalismo para sensibilizar os ministros e a sociedade para os riscos ao nosso papel de informar”.
A Associação Nacional de Jornais (ANJ), por sua vez, disse considerar a tese do STF “foi um avanço positivo diante da grave ameaça à liberdade de imprensa”. “A modulação dos votos reforça a natural responsabilidade dos veículos com o que divulgam, mas ainda pairam dúvidas sobre como podem vir a ser interpretados juridicamente os citados ‘indícios concretos de falsidade’ e a extensão do chamado ‘dever de cuidado’”.
Este conteúdo foi originalmente publicado em “Só pode ser punida a má-fé”, diz Barroso sobre responsabilização de veículos no site CNN Brasil.