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Olhe Mandela (por Cristovam Buarque)

Desde um ano antes das eleições de 2022, o Blog do Noblat publicou seis artigos afirmando que o Lula seria candidato a estadista planetário. Seu desempenho ao longo dos nove meses de governo parecem confirmar aquela projeção. Sua fala para jornalistas, em Angola no dia 26 de agosto, foi um discurso consistente de líder mundial que está ao par da realidade geopolítica, tem proposta e faz parte da articulação para uma reorientação dos eixos do poder no mundo. A criação do BRICS, em 2009, teve papel fundamental de Lula e Celso Amorim. Sua ampliação, nesta semana, contou com o papel decisivo deles dois, do Ministro Mauro Vieira e da ex-presidente Dilma Roussef, criou a maior mudança no cenário mundial desde a criação da ONU e da CEE.

Depois de nove meses de governo, o presidente Lula continua como forte candidato a líder planetário, mas seu sucesso internacional depende de acertos internos no Brasil. Mas no bom discurso em Luanda, o presidente desprezou a necessidade de ser o unificador do Brasil como condição para ser líder mundial.

Um político pode ser estadista interno sem liderança externa, mas não há como ser estadista externo se não for estadista interno.  Na política externa, Lula continua merecendo os elogios recebidos nesta coluna do Blog do Noblat, mas corre o risco de perder sua liderança mundial por erros internos: se no lugar de unir continuar a preferir dividir o já dividido país.

No lugar de unir internamente para se fortalecer no exterior, o presidente divide quando discursa fora das quatro linhas da Constituição e promove fake news, ao passar a ideia de que impeachment previsto na Constituição é golpe, e, portanto, seu vice-presidente e sua ministra do meio ambiente foram apoiadores de golpe, além de que sua ministra do planejamento foi das mais aguerridas da comissão especial na defesa do impeachment e votou pelo impeachment. Se o discurso do Lula for levado à sério, todos que incentivaram e os parlamentares que votaram pelo impeachment deveriam fazer companhia aos presos que fracassaram no movimento de 8 de janeiro.

O presidente legitima o uso de fake news que tem custado tanto forço ao STF combater, legitima os golpistas acampados em frente a quarteis e aqueles que depredaram o Congresso o STF e o Planalto, legitima até mesmo os golpistas de 1964 ao comparar o que se passou no golpe contra João Goulart e com os impeachments de Collor e Dilma.

Para consolidar uma liderança internacional duradora, ele precisa unir o país no presente e apresentar estratégias para o futuro. Comparar o papel histórico de Mandela, um unificador interno que falou para o mundo, com Gorbatchov, que falou para o mundo, mas perdeu seu país e caiu no descrédito.

Na sua crise atual – mudanças climáticas, migração em massa, desigualdade desumanizadora, concentração de renda, desemprego estrutural –, o mundo precisa de líderes planetários e, por isto, o mundo, não só o Brasil, precisaria que Lula tentasse ser um líder nacional aglutinador. Representasse o Brasil inteiro e não apenas seus correligionários. Ainda menos aproveitar-se do prestígio momentâneo internacional para acirrar a divisão interna, como fez na fala em Angola.

O mundo precisa do Lula, Lula precisa do Brasil unido, por isto ele precisa olhar para Mandela.

 

Cristovam Buarque foi ministro, senador e governador 

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