Se na economia “real” China e Estados Unidos respondem por mais de um terço do Produto Interno Bruto mundial, nas bolsas, as movimentações dos dois gigantes podem ser ainda mais decisivas em cada pregão. O brasileiro Ibovespa que o diga: só neste mês, o índice acumula 12 dias de queda, sua pior sequência na história – e analistas apontam que parte importante desse resultado vem das influências do cenário internacional.
Nas últimas semanas, dados fracos da China derrubaram as bolsas pelo mundo, enquanto, nos EUA, a trajetória de inflação e possibilidade de que o ciclo de alta dos juros não tenha acabado segue no radar dos investidores.
Para ajudar a entender o quanto as duas maiores economias afetam o vai e vem da bolsa brasileira, levantamento feito pelo TC/Economática a pedido do Metrópoles mostrou os setores com maior peso no Ibovespa e como China e EUA impactam os papéis das maiores empresas.
Inicialmente, os dados mostram que a China tem um amplo efeito direto. Petróleo, gás, mineração e siderúrgicas respondiam no início do mês por mais de 30% do Ibovespa, segundo o levantamento do TC/Economática.
Vale e Petrobras, sozinhas, têm peso de 13% e quase 12%, respectivamente.
Essas são áreas de forte influência da China, que compra do Brasil commodities como grãos, carnes e minério de ferro.
Na agropecuária, por exemplo, a JBS não rivaliza com o peso de Vale e Petrobras, mas, ainda assim, responde por 1% do Ibovespa, assim como outros 0,8% da BRF.
“A China é um dos principais parceiros comerciais do Brasil: exportadoras, frigoríficos, minério e siderúrgicas têm suas performances diretamente impactadas pelo nível de atividade da China”, diz a equipe do TC/Economatica sobre o levantamento. “Principalmente no campo de infraestrutura, dado que é uma das principais políticas de crescimento econômico por lá.”
A bolsa emula parte da importância que a China ganhou na economia brasileira como um todo: os chineses superaram os EUA como maior parceiro comercial ainda em 2009. No ano passado, a China comprou US$ 89 bilhões em exportações brasileiras, 27% do total exportado, contra 11% dos EUA.
O Brasil foi ainda o maior destino dos investimentos diretos feitos pela China em 2021, com US$ 5,9 bilhões, segundo os últimos dados do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC).
Além do potencial de comércio e investimento direto, as movimentações na economia chinesa, na frente macroeconômica, impactam os preços globais das commodities e, assim, as ações de empresas.
No caso do Brasil, enquanto a Petrobras tem mais efeitos domésticos (nesta semana, a ação subiu após a decisão da estatal de reajustar preços), a Vale é diretamente afetada pela China, sem maiores complexidades.
“É imediato: se o minério de ferro cai na China, a Vale abre em queda. Acredito que o Ibovespa só não superou 130 mil, 135 mil pontos naquele momento de alta, por causa dos dados da China que seguraram a ação da Vale”, diz Daniel Abrahão, assessor na iHub Investimentos.
Um espirro nos EUA, uma gripe na bolsa brasileira
Apesar da crescente importância chinesa, uma frase comum na economia diz que “quando os EUA espirram, o mundo pega uma gripe”. Esse cenário é uma realidade principalmente na bolsa, cujas reações podem ser mais rápidas e voláteis.
Por isso, analistas afirmam que é difícil cravar, numericamente, se China ou Estados Unidos afetam mais o Ibovespa. “Essa resposta provavelmente muda todos os dias”, diz Abrahão.
“Se olharmos a bolsa em específico, pela composição do nosso Ibovespa, com certeza é a China – porque nossa bolsa é muito pesada em relação a commodities“, diz o economista. “Porém, os EUA ainda são a maior economia do mundo. Qualquer movimento impacta todas as bolsas, sem exceção, e afeta a bolsa brasileira diretamente.”
Os EUA seguem tendo impactos quase imediatos, por exemplo, em frentes como juros e câmbio. Pregões no Brasil acompanham com frequência as altas e baixas das bolsas em Nova York e decisões importantes do Fed, banco central americano.
“Os EUA possuem um dos mercados de capitais mais desenvolvidos e ditam bastante o ritmo do nosso mercado. Por exemplo, a decisão do Fed de alterar as taxas de juros pode influenciar fluxos de capital ao redor do mundo, afetando moedas, taxas de desconto e valuation das ações e títulos soberanos”, escrevem os especialistas da TC/Economática.
Esses fatores macroeconômicos globais podem impactar até mesmo empresas que não são exportadoras e só vendem no mercado interno. Um exemplo são varejistas como Raia Drogasil (1,6% do Ibovespa), ou a Localiza, de aluguel de carros (2,7% do Ibovespa), que estão entre as 20 principais ações do Ibovespa (veja abaixo).
Os analistas chamam atenção, ainda, para o alto peso do setor de Finanças e Seguros no Ibovespa (mais de 22%), mais diretamente afetados pelo cenário macroeconômico, cujo impacto dos EUA ainda é mais alto na maioria dos pregões.
Juntos, os três maiores bancos têm mais de 11% do Ibovespa. O Itaú Unibanco é o maior banco da bolsa, com 6,4% de participação no Ibovespa, seguido por Bradesco (3,9%) e Banco do Brasil (3,2%).
“O setor financeiro brasileiro, por outro lado, também é muito consolidado. Se falamos de bancões, eles conseguem uma certa blindagem, não é qualquer crise global que os impacta”, diz Abrahão, da iHub.
“Mas as condições são extremamente complexas e mudam toda hora. E isso nada mais é que o reflexo da hiper-globalização: tudo é conectado com tudo. Isso foi muito fácil de perceber no momento da pandemia – um navio que deixa de sair de um porto, que a gente mal conhece, impacta um pedaço do nosso carro, que aí vai impactar nos preços do nosso dia-dia”, diz o economista.
Assim, para o Ibovespa voltar ao patamar acima de 120 mil pontos perdido neste mês, uma coisa é certa: movimentos mais favoráveis no exterior serão necessários, tanto de Washington quanto de Pequim.