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Atleta organiza primeiro “MMA trans” do mundo em São Paulo

São Paulo – O primeiro atleta na história a se assumir como homem trans no MMA, Cris Macfer, de 30 anos, confirmou com exclusividade ao Metrópoles a realização do primeiro evento de artes marciais mistas, com lutadores transgêneros do Brasil. Batizada de Trans Fighter, a competição ocorre em novembro na zona norte da capital paulista e já está com seis lutas confirmadas.

A realização do evento, segundo Cris, não irá somente celebrar o respeito e disciplina ensinados com as artes marciais, mas também vai ajudar a motivar a reflexão e propor debates sobre as questões de gênero.

Tricampeão mundial, bicampeão brasileiro e pentacampeão mineiro de hapkidô, além de bicampeão mundial de jiu-jitsu, Cris descobriu com as artes marciais também o autoconhecimento e a lidar com o preconceito.


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Nascido no interior de Minas Gerais, em maio de 1993, o atleta se identificou como homem trans em 2015. Antes disso, sentia-se em uma crise existencial, porque se sentia atraído por mulheres.

“Eu não sabia o que era uma pessoa trans. Cheguei a pensar que era lésbica, por me sentir atraído por mulheres. Mas com o tempo, e estudo, percebi que minha questão era outra.”

Quando se identificou como homem trans, Cris já competia no MMA feminino, onde ingressou em 2013.

Bonito de ver

No início, ele achava o esporte violento, uma briga de egos. “Por fim, decidi participar, para levar para o octógono a plasticidade das artes marciais que pratico, junto com o respeito ao adversário. Queria que as pessoas me vissem lutar e achassem bonito de ver.”

Após se identificar como homem trans, Cris decidiu estudar o tema, para poder entendê-lo e também para conseguir explicar às pessoas sobre as questões de gênero.

Isso durou cerca de três anos, até que, em 2018, foi a público e se assumiu como o primeiro atleta trans masculino do MMA. Apesar disso, as pessoas do meio seguiram tratando-o no feminino, como se nada tivesse acontecido. “Há muito machismo”, afirmou.

Mais três anos se passaram e ele decidiu abandonar a categoria feminina do MMA, antes de iniciar os tratamentos e cirurgias para a transição de gênero. Em 2022, ele retirou os seios.

O MMA permite que atletas trans lutem com atletas dos gêneros com os quais se identificam. Mas Cris refletiu sobre isso e decidiu não ingressar na categoria masculina do torneio.

 

“Meu receio era o atleta masculino resolver lutar comigo, não para competirmos com respeito, mas para me bater e tentar provar ser mais homem do que eu”, explicou.

Com base nisso, o artista marcial decidiu criar uma nova categoria de MMA, na qual somente pessoas trans iriam competir. Nascia aí o Trans Fighter. A competição chegou a ter 40 atletas confirmados, mas o número teve uma drástica queda.

“Pessoas dentro do próprio movimento LGBTQIA+ criticaram o evento, alegando que segregava. Foi uma má interpretação que acabou assustando alguns atletas. Com a realização dessa primeira edição, em São Paulo, vou mostrar que o Trans Fighter está além de um torneio de artes marciais.”

O evento ocorre no último fim de semana de novembro, na zona norte paulistana. Os endereços do local de pesagem, um ritual clássico antes das lutas, assim como a localização do octógono ainda serão divulgados.

As categorias propostas por Cris são dividias em T1, T2 e T3.Na primeira participam atletas que não iniciaram o tratamento hormonal ou não queiram realizá-lo. Nas demais, são divididos conforme o tempo em que estão fazendo o tratamento.

Briga de irmãos

Uma briga com seu irmão caçula foi o gatilho para Cris ingressar nas artes marciais.

Após a separação dos pais, Cris o irmão e a mãe se mudaram de Viçosa para Ervália, cidade onde o atleta nasceu, na Zona da Mata Mineira. Foi quando o caçula começou a treinar hapkidô e taekwondo, por meio de um projeto social do município.

“Um dia meu irmão chegou em casa, falando que ia me bater, que daquele momento em diante eu teria que respeitar ele. Aí decidi entrar nessa pra mostrar pra ele que arte marcial não era aquilo.”

Aos 13 anos, a então Crislayne foi para o tatame, onde começou a perceber que se sentia fora dos padrões. Foi quando percebeu que gostava de meninas. Cris namorou uma aluna do projeto e foi expulso, sentindo na pele, pela primeira vez, o preconceito.

Por morar em uma cidade pequena, a notícia correu rápido, atrapalhando os treinos de Cris, que treinava para tentar conquistar o quarto mundial de hapkidô.

Foi quando ele começou a treinar jiu-jitsu e muay thai, em 2011, incentivado pela mãe. Por praticar, ao todo, quatro artes marciais, dois anos depois ele migrou para o MMA.

As artes marciais foram e são a grande arma de Cris contra o preconceito, e não somente na luta em si.

“A disciplina e também a dedicação aos estudos ajudam nisso. Acredito que a educação é o caminho para derrubar os preconceitos e fazer as pessoas aceitarem o que não entendem, por ignorância e falta de acesso à informação.”

Longe dos ringues, o atleta usa esse tempo para estudar e refletir, como fez desde o início da carreira. “Pretendo ainda voltar para o octógono e será no Trans Fighter, em alguma edição do evento”, profetizou.

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