A Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) incluiu um “jabuti” dentro do projeto de lei do Refis 2023. O artigo beneficia um único setor da economia: o de atacadistas e distribuidores.
O termo “jabuti” é usado quando parlamentares se valem de um projeto de lei para incluir, de maneira discreta, algum interesse destoante do escopo da proposta original.
A Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Tributária, do Ministério Público do Distrito Federal e Território (MPDFT), planeja entrar com ação judicial para tentar barrar essas emendas.
O Projeto de Lei Complementar nº 31/2023, enviado à CLDF pelo Governo do Distrito Federal no início de setembro, tinha 18 artigos que previam as regras para adesão ao Programa de Incentivo à Regularização Fiscal do Distrito Federal.
O objetivo do GDF, com o Refis 2023, é incentivar os cidadãos e empresas que possuem débitos com o governo a pagar a dívida. A proposta prevê entrada à vista de 10% do valor para aumentar a arrecadação do DF, que está em queda desde o início do ano.
Porém, durante a discussão na CLDF, deputados distritais acrescentaram mais nove artigos e aprovaram o projeto no último dia 3 de outubro.
O artigo 19, de autoria da bancada do PT, torna sem efeito todos os autos de infração emitidos para atacadistas e distribuidores que não recolheram ICMS como deveriam, no período de 1º de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2021. Ou seja, os empresários receberiam anistia e ficariam livres das multas e outras sanções decorrentes da infração.
O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), órgão responsável por permitir benefícios fiscais envolvendo o ICMS, autorizou a criação do Refis 2023, após articulação do GDF. O problema é que o Convênio ICMS Nº 116/2023 permite a remissão parcial de débitos fiscais e anistia parcial de multas e juros por parte do GDF, mas não prevê nada sobre extinção dos autos de infração.
Na justificativa da emenda que incluiu o artigo 19 no projeto do Refis 2023, a bancada do PT disse que o objetivo da medida é “resolver os problemas oriundos daquelas hipóteses em que a pessoa jurídica tenha sido desenquadrada da sistemática de apuração do ICMS pela Lei nº 5.005/2012 e, posteriormente, reenquadrada pela Secretaria de Fazenda”.
“No período de desenquadramento, a sistemática comum acabou por gerar créditos tributários. A medida se torna necessária porque, além de o setor atacadista do Distrito Federal enfrentar forte concorrência dos atacadistas do estado de Goiás, os débitos tributários gerados com o desenquadramento tornam provável a necessidade de fechamento do negócio e consequente aumento do desemprego no DF”, afirmou.
R$ 37 bi a receber
A Secretaria de Fazenda do Distrito Federal (Sefaz-DF) disse que a dívida ativa atual que contribuintes possuem com o GDF é de R$ 37,4 bilhões, e a parcela de maior valor é referente ao ICMS.
Porém, a Sefaz-DF se recusou a informar quais os setores que mais possuem débitos com o GDF e quantos autos de infração sobre ICMS recolhido a menor foram emitidos no período de 2019 a 2021.
Compensação sem dinheiro
Outro “jabuti” incluído pela CLDF é a permissão para uso de crédito acumulado pelos empresários ao longo dos anos com ICMS para compensar na dívida com impostos. As empresas ainda teriam direito aos mesmos benefícios de quem pagaria em dinheiro, conforme as regras comuns do Refis prevista no projeto aprovado: desconto de até 50% do valor principal e de até 99% sobre as multas e os juros.
A empresa usaria uma moeda escritural integralmente (o crédito acumulado) em vez de pagar em dinheiro, enquanto o Distrito Federal daria desconto. Ou seja, em nada contribuiria com aumento da arrecadação, uma vez que não entraria recurso em espécie nos cofres públicos.
O autor da emenda aprovada pela CLDF é o deputado distrital Joaquim Roriz Neto (PL). Por meio da assessoria de imprensa, o parlamentar disse que “o texto em questão refere-se a uma reivindicação do Sindiatacadista, conforme justificado pelo parlamentar em plenário”.
O projeto de lei complementar aprovado pela CLDF no início do mês está em análise no GDF, a quem caberá sancionar ou vetar os artigos do projeto e transformá-lo em lei.